Seria eu um profeta de meias palavras, que no fundo sabe o
real sentido de tudo o que diz, mas que diz como num jogo que nem ele mesmo
entende. Dou-te o afago do meu carinho, mas entenda, é só um afago, não tente
enxergar o que existe além dos meus olhos tão escuros.
Seria eu um mago, um alquimista! Seria eu um menino que mal
sabe onde deixou o outro pé do tênis, o maço de cigarros, o outro molho de
chaves. Seria eu o que quisesse ser.
Sempre anotando uma coisa aqui, outra ali pra não esquecer.
Sempre me lembrando de tudo o que não preciso anotar. Carregando no rosto um
sorriso largo. Mal sabes, mal sabes onde estão as crateras, mulher! Faço delas
poesia e me esqueço da hora de voltar pra casa, tomo mais uma dose.
É que eu ando tão desacostumado com coisas que continuam. Pra
mim o mundo é agora, e depois. Depois eu ascendo outro cigarro, peço mais um
café pra curar a ressaca e pra adocicar a fumaça.
Eu não sei quantos corações feri até agora, mas sei
exatamente quantas dessas mulheres cravaram o salto no meu peito, trago
cicatrizes, não vivo de passados mórbidos, mas sei exatamente a proporção de
cada dor que senti, e por isso não ligo de ser tão relapso com certas coisas.
Mas essa tarde tão fria me deixa mais calmo, o
café quente sobre a mesa, minhas palavras tão sinceras, tão minhas fazem de mim,
pelo menos no instante em que escrevo, um menino mais feliz. Ando tão meu, sem
ninguém de forma ativa no peito, não vivo a sorrir um amor, mas também não
choro mais amor algum. Sou só um menino, sem boas nem más intenções
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