sexta-feira, 21 de março de 2025

Nunca.

Ele foi dizendo palavras pela metade até mergulhar em si mesmo. Era um imenso abismo de não ditos. Era um imenso abismo estar dentro dele mesmo.

Não fazia sentido aquele céu limpo, aquele azul imenso sobre sua cabeça. Não fazia sentido o seu caminhar. Ele apenas seguia. Mas pra onde?

Tinha deixado pra lá tanta coisa, tantas folhas sobre a mesa, o tinteiro quase seco por falta de uso, nem sabia mais como segurar na pena. Tinha pena de si mesmo e de tudo o que um dia sonhou. Não haviam mais sonhos.

O último gole era sempre o mais amargo, fim de noite, céu estrelado. Mais uma vez o céu com sua infinita grandeza debochando da pequenez dele. Era só ele contra ele mesmo, era só ele o seu maior vilão.

Tinha se esquecido das promessas que um dia fez, tinha se esquecido inclusive do que prometeu a si mesmo. Estava cansado, trôpego e devastado. Talvez um maremoto fizesse menor estrago. Talvez fosse ele o maior acidente.

Escreveu uma ou duas palavras, amassou o papel e foi dormir, mas o sono não chegava. Era só aperto no peito, era só angustia o seu pesar. E era pesado demais aquilo que carregava.

E se escrevesse aquelas palavras com sangue? E se as dissesse em voz alta? Se se convencesse que aquilo que dizia era de fato verdade? Se deixasse de mastigar os próprios dizeres antes mesmo que eles saíssem pela boca? E se ele só fosse ele mesmo?

Lembrou-se de um sorriso sincero que deu, de um amor verdadeiro que viveu, de um caminho certeiro que trilhou. Um dia já tivera acertado. Mas naquela noite não, naquela noite ele era alvo e nada mais poderia o proteger de si mesmo. 

Talvez em outro dia só ouvisse uma canção e fosse dormir, um sono leve e sem pesos. Mas não!
Ele não poderia mais carregar o fardo de seus pesares, de seus pensares, ele não sabia mais seguir. E então ele se despediu de si mesmo. E nunca mais voltou.




Um comentário:

  1. A vida nos dá golpes de facadas; o sorriso pode durar uma semana, um mês, dez anos. Mas a facada sempre vem, às vezes até mais forte

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