Dentro do seu próprio silêncio
ele não se sentia mais tão agoniado, abriu a geladeira, bebeu água e se dirigiu
ao quarto, ligou a tevê e pensou em mil coisas do seu dia, coisas corriqueiras.
Se lembrou de alguns amigos, e ligou pra um deles, falou sobre coisas do seu
dia, ouviu coisas sobre o dia do tal amigo, lavou o rosto, escovou os dentes e por
fim dormiu tranquilo.
Em algum lugar ele poderia ter
deixado aquela angustia, não sabia exatamente onde e nem queria saber. De peito
leve, suspirou os últimos pensamentos do dia, aqueles que o conduziria aos
sonhos, sonhou com uma velha paixão, daquelas que não falava há muito tempo, daquelas
que já foram silênciadas inúmeras vezes por outras paixões, mas que vinha lhe
lembrar de sua existência. Porque viria a se lembrar dela? Acordou com a mesma
leveza que dormiu, embora tenha acordado com vontade de saber dela. Por onde
andará aquela mulher?
Não o deixava dolorido lembrar de
todas as coisas de sua vida, não pesava mais nem a dor mais recente, porque
doeriam outras? Mas era importante pra ele que todas aquelas pessoas estivessem
bem, naquele dia em especial ela, ela que tinha voltado a habitar os sonhos
depois de tanto tempo.
Ah mulher! Já fostes a maior
inspiração deste poeta que vos fala, e sabes disto, e eu sei que sempre lhe
acolheu isto. É, eu sei. Sei do prazer que lhe traziam as minhas linhas tortas
e meus dizeres tão seus. Hoje venho a falar novamente de ti, para que se sinta
novamente acolhida, nem que seja só por hoje.
O tempo veio e me levou com ele,
eu me tornei um outro desses poetas noturnos, bonitos por dentro, despenteados
por fora, tão vivo, tão vivo, que a carne quase pulsa aparente, mas que depois
que deixa a pena sobre a folha volta a ser o menino tranquilo que nem existia
mais.
De mãos vazias, ele não quer uma
nova paixão nesta noite, e nem quer que o amor lhe abrigue o peito, quer apenas
chegar em casa outra vez no fim do dia e sorrir para aquela paz, aquela que é
tão sua que lhe permite relembrar, lembrar. Olhar pra trás, sem deixar de
seguir, seguir sem carregar dores no peito.
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